11 de março – 13º Encontro da Rede Permaperifa

 

Foto de Rosana Oshiro

Texto de Juliana Andrade

11 de março de 2018

13º Encontro da Rede Permaperifa – Escrita coletiva da carta de princípios

 

O domingo era de Sol forte e aqui em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, também dia em que as ruas ganham mais espaço e perdem movimento. Esse cenário mais vazio de carros me anima e pego a bike para ir de casa até o viveiro. Gasto pouco mais de 20 minutos. Um ensaio me impede de chegar a tempo para a primeira parte do encontro no Quebrada Sustentável. Gosto de chamá-lo de viveiro, acho essa ideia de incubadora de vida muito potente, principalmente quando penso nas pessoas dali, suas histórias, as histórias de encontro com o viveiro, com a permacultura, e o gosto pela convivência. Me dou conta de que o viveiro é também um lab de envolvimento, ou melhor de envolvimentos múltiplos, e quem sabe podemos dizer também de responsabilização, no sentido de perceber o quanto estamos implicados na construção de certas possibilidades de realidade. Acho que o nome carrega algo de ‘processo vital’ que atravessa reinos, mas também esse entrecruzamento de cuidados e atenção humana: olhos atentos, mãos operantes, vontade de ver as coisas crescerem.

O encontro, marcado já há algum tempo, foi voltado para uma importante tarefa: a escrita da carta de princípios do Permaperifa, que na verdade trata-se da revisão de uma primeira versão de carta. Daí que esse encontro da rede já começa sendo ‘excepcional’, como disse um dos presentes, pois, pelo que entendi, tais encontros são sempre compostos por prática + assembléia, nessa ordem de acontecimento (mutirões de plantio, manejo, bioconstrução, etc. seguido de um momento reflexivo e até deliberativo sobre a atividade, a rede, e por aí vai.)… “Metodologia Mão-na-massa!”. Mas esse não. Ou não da mesma forma. A importância da carta era clara e já era esperado uma imersão mais focada, de todo um dia… no mínimo.

O processo foi aberto em suas duas partes: Na primeira, uma sequência de autoapresentações, seguida da resposta à pergunta: O que a Rede Permaperifa precisa para ser 100% minha? Ao chegar ali, conversando com D., fiquei sabendo que a ideia é tentar agregar esses contornos, essas singularidades das perspectivas sobre a rede à carta. Fico por alguns segundos pensando sobre isso enquanto analogia à relação centro-periferias, as várias vozes e jeitos e a construção de uma periferia dentro da permacultura urbana, que vai se tornando mais diversificada e diversificando o todo ‘permacultura’.

Dou um giro rápido apenas pela área do galpão para achar os conhecidos de lá. Me pergunto das mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana) que trabalham no viveiro e vou até a cozinha, já que não as vejo nos outros cantos… movimentação intensa com o rebuliço do almoço… lá estão… Dou um abraço na Vilma e na Vizinha e saio. Pouco tempo depois vejo Maria em outro ponto do Galpão e reparo que Vinícius e Pamela também chegaram. David também atravessa por entre as pessoas carregando uma caixa de madeira. Penso nunca ter visto esse espaço tão cheio. Talvez cheio de crianças em alguma fotografia de outra época, mas apenas assim. Contei de onde estava 50 pessoas e parecia estar bem equilibrado entre homens e mulheres. Chutaria a idade média em torno de mais ou menos 30 anos… algumas poucas crianças. A maioria brancos. Reparo que em duplas ou pequenos grupos as pessoas que vão terminando de almoçar se juntam para conversar. Tento ser mais objetiva reparando uma segunda vez grupo a grupo no fato de que estão quase todos sorrindo enquanto falam. Logo um moço com bandolim, parecendo anunciar o fim do almoço, chega cantando e tocando uma música com uma letra massa… só registrei o refrão curto, que parece responder a tudo que vinha pensando ali ao me dar conta de onde estou e a razão disso tudo:
“Vai dar certo vai
… Só certo vai…”

Espero que sim… Quis o resto da letra, já sabia que esqueceria. Ele e mais algumas pessoas, como eu, chegam apenas para a segunda rodada… outras que estavam num primeiro momento vão indo embora. Despedidas… abraços.

Com o fim do almoço os presentes vão se sentando em roda, [15h]. Pego um café. Alguns vão se ajeitando em bancos, cadeiras e outros no chão mesmo, em uma parte da área coberta do viveiro, logo na entrada. Uma espécie de dinâmica corporal para que ficássemos mais dispostos e atentos para a tarefa foi conduzida antes do início da roda. Dos coletivos presentes, me recordo de estarem ali representados alguns nomes apenas: PermaGuaru, SOMOS, EPARREH, Horta di Gueto, EcoAtiva, …perdi outros nomes. Em outro momento alguém menciona que a rede tem entre 15 e 20 coletivos. E que mais ou menos 30 grupos responderam ao chamado para a formação da rede há dois anos e meio atrás. Um breve momento inicial de algo do tipo: “Como vamos fazer isso? Mas o que precisamos fazer mesmo? Ah, Ok! …” , acaba com a ideia de uma leitura inicial da carta já existente, as razões para sua reescrita e a distribuição dessas questões em pautas temáticas que faziam referência a própria estrutura da carta de modo mais ou menos direto.

Uma das demandas que resultou nesse processo foi a de maior transparência para a dinâmica de organização e os critérios para tomadas de decisão. Algo como uma necessidade de explicitar na escrita desses critérios, como vem operando um saber tácito utilizado pelos membros mais experientes e antigos, de modo a não parecer arbitrário. Ao mesmo tempo isso coloca a necessidade de organizar esse espaço participativo que se amplia (e que é evidente nesse mesmo momento de reescrita aberta da carta), ao mesmo tempo que a própria rede parece cada vez maior, seja no número de pessoas ou de articulações que compreende em si. Nisso tudo, vem a tona questões sobre a estrutura e a identidade da rede. Sinto que é tudo mais complexo do que se imagina e decidir pela eficiência e rapidez do processo apenas, parece-me algo de certo modo “perigoso”. Mas o clima é leve e sinto algo como uma confiança e disponibilidade sincera a escuta mútua.

Na leitura do documento, o qual não achei nenhuma cópia disponível on-line, me dou conta de como a rede é muito mais que ‘permacultura’, a dimensão da ‘cultura’ se destaca, … até rap aparece ali. E logo em seguida penso que talvez seja porque a própria permacultura demande mais para se realizar do que podemos imaginar de seus manuais. Ainda mais se pensamos a permacultura menos como fim e mais como a superação da própria separação entre meios e fins. Ou seja, que a permacultura não pretende instituir espaços permaculturais apenas mas se tornar nisso uma ferramenta de transformação de outras relações, uma infinidade delas, que aqui vão sendo incluídas e recebendo mais atenção.

Daí que são trazidos para os debates da carta, questões da rede em si mesma: O que vamos definir como ‘periferia’? Quem é periferia? Alguém joga de maneira mais clara na roda…: “Tipo,… ‘classe média’ vota?” (risos se tornam sérios, as pessoas se olham e uma proposta de lidar com a questão é resgatada de outro espaço:) …“Se tiver somando com a periferia, como periferia, sim” …“mas tem que qualificar ‘periferia’”, … “periferia econômica e não apenas geográfica” …“é, porque tem a periferia do centro.” … “Se chamarem a gente lá em X?… É no centro. A gente vai?” “E o protagonismo?” … “O protagonismos precisa ser de quem de fato é da periferia” … “E quem é indivíduo vota?”…

A questão mesma da participação dos indivíduos e do papel dos coletivos é exemplar. Ficou muito evidente que a história da rede é atravessada pelas dos coletivos que a compõe. Porque, em sua maioria, as pessoas estão aqui como coletivos. Algo como deixar claro que a permaperifa não é um coletivo em si, é mais um hub manufaturado de coletivos, fruto de intenções de encontro para mobilização em um outro nível, transcendendo os territórios de atuação dos grupos. Me parece ser também por isso que a periodicidade dos encontros pode ser mais espaçada. Eram encontros bimestrais, que passaram nesse 13º, a serem trimestrais. As pessoas não estão inativas nessa brecha, estão atuando localmente.

Os encontros se tornam muitas coisas a partir dessa perspectiva: espaço para os coletivos desenvolverem a capacidade de autoorganização para o próprio acontecimento do encontro, espaço de estudo de demandas e estabelecimento de prioridades para as atividades em permacultura, de desenvolvimento de habilidades educativas, espaço de difusão e troca de saberes, tanto sobre as práticas quanto sobre as dinâmicas para articulação no território, …momento de fortalecimento da rede consigo mesma e externamente com coletivos, grupos e atores sociais locais que estão na ‘periferia’ da temática ambiental, etc. Portanto, havia ali uma insistência de que os indivíduos estão incluídos, mas é através dos coletivos que a rede ganha sentido: …“Não queremos protagonismos individuais”,… essa evidência, “autopromoção de figuras”. “Mas e as pessoas que somam como indivíduo, como elas vão participar?”… “Podem participar, mas não votar”… “Quem sabe se todos os indivíduos criam um coletivo dos indivíduos sem coletivo?” … “Daí eles não são mais ‘indivíduos’” [alguém fala em tom irônico… todos riem e me lembro da assembléia planetária do início do filme La Belle Verte]… “daí eles poderiam ter um voto”. Fica claro que essa escolha também é uma medida protetiva. Sem indivíduos votando e sendo necessário no mínimo 3 encontros para o coletivo votar nas assembléias, garante-se certa ‘integridade’ a rede e também confere mais relevância ao processo de imersão, de atuação através das relações da rede… Um tempo-espaço para se conhecerem. Mas participar dos encontros e debates todos podem.

Assim, a rede é reconhecida como uma via de articulação inclusive para os indivíduos: “estar na rede, as vezes, é o que essas pessoas ‘soltas’ precisam para descobrir o que existe por aí”, um “meio delas se inserirem”. A rede pode ser um jeito de algumas pessoas aprenderem a se articularem inclusive com os equipamentos em seu território. Foi o que levou até ali uma das pessoas que poderiam ser chamadas de ‘novos membros’. “O que vale para nós é se a pessoa está atuando”… “Ela participa ou desenvolve ações de educação ambiental no seu bairro?” Porque boa parte do sentido da Permaperifa está em levar a possibilidade de “infraestrutura básica onde ela muitas vezes não existe”… “pra quem precisa de fato”. Lembrei de quando V. citou que após uma oficina de forno a lenha uma pessoa instalou um em sua laje… Nem sempre tinham dinheiro para comprar o gás, cada vez mais caro.

Uma das questões que dispararam parte dos esforços em reescrever a carta estava em deixar claro os critérios de definição dos espaços dos encontros. Em cada encontro se decide o espaço onde será realizado o seguinte. Eles prevem a realização de uma prática permacultural desejada pelos espaços. Logo de saída todos concordam que a rede precisa ser mais realista quanto a sua capacidade de resposta a essas demandas que são dos coletivos. Mas os coletivos também precisam saber priorizar o que é mais urgente ser feito, algo sobre como será aproveitado esse saber e energia humana que a rede tem a oferecer. É marcada a importância de que não fique trabalho a ser feito para trás… Isso exige melhor organização… e objetivos mais realistas para cada encontro. De modo geral: “precisamos saber o que queremos fazer e até que ponto a rede tem pernas pra abraçar isso”.

Daí parte do debate desse tópico foi pensar: O que é básico na infraestrutura básica dos encontros? Precisa-se definir as responsabilidades das partes (da rede e do coletivo anfitrião): “Até que ponto o coletivo e até que ponto a rede se responsabilizam pela organização do evento e a condução das práticas?” Lembrando também que se os espaços são periféricos e demandam uma infraestrutura que se pretende constituir ou intervir pela permacultura, então não se pode esperar que isso esteja pronto… “não ia fazer sentido nenhum”. Alguém chama a atenção diante das muitas ‘condições’ propostas que parecem aumentar…: “gente, peraí, temos de estar mais abertos e vermos com generosidade o que o espaço tem a oferecer…” Há algo sobre estar acostumado com pouco conforto… Todos concordam que o básico permaneça ‘básico para que a atividade possa acontecer’. Define-se então que os espaços precisam ao menos ter banheiro, oferecer a água e algum espaço para as refeições e descanso e que seja um ambiente relativamente seguro para as crianças. Os materiais para a prática e a alimentação também são responsabilidade do coletivo, seja para providenciar ou para comunicar ao grupo que levem comida para as refeições colaborativas.

[Vejo do outro lado da roda passar um pote de mão em mão cheio de pedaços de manga já cortadas e por um momento me distraio da discussão. Está tudo muito colorido ali e as mangas devem estar deliciosas]

Fala-se sobre a forma dos encontros: “prática + assembléia”, chamando atenção para algo que está recebendo pouca atenção: “vínhamos fazendo primeiro e conversando depois e isso teve reflexo nas relações pessoais. (…) Estamos muito preparados para fazer, mas pouco estruturados para lidarmos conosco mesmo (…) é hora de alinharmos os discursos com as práticas. Porque há uma questão de convivência, de aprender a lidar com questões relacionais que precisamos desenvolver”. Fico pensando nesse conjunto de frases e chego a conclusão de que talvez esse processo esteja reabrindo o próprio significado da permacultura num aprofundamento que demonstra como as transformações que se pretende com ela, para serem coerentes precisam ser afinadas com outras dimensões da vida. É sobre afinidade entre discursos e as práticas a eles relacionadas eletivamente. Alguém fala do quanto a questão da inclusão é estética, e de que o óbvio não é óbvio: “A gente tem que falar, não é óbvio. As entrelinhas tem de ser ditas” Talvez essa configuração de uma permacultura favoreça certa apropriação em relação a outras menos atentas a variedade de contextos materiais e simbólicos existentes. Apareceu antes também a necessidade de mediação de conflitos pessoais. Esses não precisariam ser abordados em assembléia, podendo ser encaminhados com a ajuda de pessoas que tem habilidades específicas nesse sentido.

Não se inclui com pouco esforço e sem movimento, e o retorno e reabertura de pautas aparentemente já fechadas nesse encontro, demonstra o quanto as questões se atravessam na realidade concreta. No caso, o tópico comunicação teve algumas nuances. Uma delas diz respeito à linguagem da carta. Entra na roda a permanência do termo “federalista” para definir o funcionamento da rede e destacar a autonomia dos coletivos membros. “Isso é Proudhon”… “Acho melhor tirar e deixar numa forma mais direta possível”… “deixa” … “não subestima a linguagem da periferia” [Me sinto contemplada e penso que poderia ter sido mesmo ‘Não subestime a periferia’ … Tem uma diversidade que sinto ser apagada quando não é a periferia que está falando de si] “Mas precisa usar essa palavra?” … “Por que a gente não deixa e põe uma nota de rodapé explicando?” Algumas vozes concordam… “Às vezes uma palavra abre portas e fecha outras”… citam o exemplo de dizer que a permacultura é anarquista e como isso é visto, o que significa para certo público que o Permaperifa poderia se aproximar. …No geral as pessoas concordaram… “ … Mas é anarquista” alguém solta com uma risada.

Alguém cita a possibilidade da rede ser também de “ajuda mútua” em situações que transcendem a permacultura. “Alguém da rede, por exemplo, fica grávida… mãe solteira, desempregada… E aí, quem vai ajudar nessa hora?” ou até medidas para que os encontros fossem possíveis para outros públicos que não costumam participar… Isso demanda entender por que quem não participa não participa. Quem está na periferia do permaperifa? As mulheres do GAU são lembradas em algum momento. Só participam quando os encontros são no viveiro. Pergunta-se do espaço das donas de casa nessa permacultura que se pretende periférica. E lembram-se das propostas sobre espaços e atividades para as crianças durante os encontros… e se “Rola uma vaquinha pra dar uma ajuda de custo, pra quem não tem grana conseguir atravessar a cidade e participar?” … “Eu já fiz isso…” alguém diz. Surge também a questão das “cotas” nos cursos de permacultura para membros da rede, para as quais são pensados critérios… Decide-se que as pessoas que pleitearem as vagas gratuitas nos cursos se juntem para decidir entre si quem irá.

Estes se tornam pontos que demandam a produção de informações, um levantamento sobre os perfis dos membros da rede: “Talvez seja o caso fazer uma reflexão para saber de onde as pessoas vem, quantas pessoas vem de fato da periferia e quais periferias são essas” Mas em grande medida isso vai além de números, de renda. Falam também da possibilidade de rolar uma inscrição para os coletivos que vão se tornar membros. Alguém cita, dando o exemplo da venda local de alguns dos produtos do GAU ali no dia, que a rede pode ser também uma rede de troca e venda dos produtos produzidos pelos coletivos.

Ao abordar a composição dos conselhos, perguntam sobre a diferença prática entre as assembléias e o conselho. É explicado que o conselho é fechado e as assembléias são abertas. Enquanto as assembleias acontecem junto dos encontros, os conselhos se dão em outros momentos, com um número reduzido de participantes, alguns que dinamizam mais a rede [perdi parte dessa discussão] e representantes dos coletivos. Mas o chamado ‘núcleo duro’, informal, que parece não ser sobreposto ao conselho e que viabiliza questões urgentes por decisões práticas, operacionais e rápidas, não funcionaria desse modo se houver muitas pessoas. As discussões sobre a existência dessas diferentes dimensões decisórias e de canais de comunicação, suas características em termos de participação e os problemas que colocam, de algum modo se cruzam com as características funcionais dos meios de comunicação ‘escolhidos’ para cada uma delas: grupos de whatsapp, de facebook, página, lista de email, o que é aberto ao público, restrito a membros, relativamente seletivo, restrito ao tal ‘núcleo duro’, ou a possíveis grupos de trabalho que venham a se constituir no futuro,… o que é oficial, extra-oficial. Alguns ‘limites’ são assumidos e idealismos confrontadas: “esse núcleo já existe, precisamos assumir sua legitimidade” … “não é um lugar de destaque pessoal, é um lugar de responsabilidade…” “é pra segurar bucha”, mas faz parte da rede. Alguém fala que “na real, é também um grupo de amigos” … que tem uma história juntos e parece haver uma intersecção entre essa história e a história da rede. Acho que esse ponto permaneceu ‘em construção’, …aberto, mas saí antes de presenciar algum encaminhamento disso.

Fala-se sobre a questão da mídia livre: “Como pretendemos ser revolucionários usando facebook, whatsapp, gmail? … E a questão da mídia livre?” … Alguns concordam com a colocação, mas não ganha muito eco. Um ar de cansaço faz parecer que já atravessaram esse debate antes, talvez não ali: “A gente não consegue dar conta nem das redes e canais que a gente já usa” … “Acho que um grupo de permacultores não é um risco potencial” (sobre a informação que trocam ser alvo de vigilância) … alguém menciona o gmail como se fosse um ambiente mais seguro (parece ter comparado com os chats populares)… outro fala de usarem rise-up. Mas não lembro dessas vozes saírem de algo rápido e paralelo, sem importância suficiente reconhecida para ocuparem espaço na discussão da comunicação.

A reunião parecia ainda demorar um tanto para acabar e decido ir embora antes do anoitecer. Afinal, o trajeto a ser feito não é muito seguro num domingo a noite. Em vários momentos durante a tarde penso nessa capacidade da permacultura ativar possibilidades através do envolvimento. Algo como uma confiança no que esse envolvimento prático faz emergir em cada um. Ao mesmo tempo penso na questão estética que se falou na roda. Observo a questão do pertencimento. Penso no reconhecimento, no modo das pessoas se expressarem ali, se reconhecerem nas falas uns dos outros. E isso atravessa essa observação mais atenta a respeito da escuta, de hierarquias sutis que se projetam nas dinâmicas. Nos espaços que se abrem quando as pessoas decidem comunicar o que tende a permanecer como “não-dito” embora percebido por praticamente todos, principalmente as minorias, que anunciam as assimetrias, as interpretam nos gestos e falas despretensiosas. Isso é muito forte. As pessoas tem muito a dizer. A periferia tem muito a dizer para a permacultura e qualquer processo que tenha surgido em espaços mais “centrais”, e toda a evidência que carregam. Quem decide usar essa e outras tecnologias para transformação social precisa estar atento e disposto a abrir mão de privilégios, ou melhor, distribuí-los, soltá-los, sem medo, para que algo diferente aconteça, perceber que certas noções de eficiência se conectam a formas específicas. Isso envolve reconhecer certas ‘habilidades’ como privilégio e entender o privilégio presente em sua própria história, suas ‘conquistas’.
Chego em casa e vou ver um vídeo que seria projetado no dia, mas não rolou… “Se plantar”. O vídeo é belo, a letra engraçadinho com um refrão chiclete que funciona. Vale a pena.

*Os presentes no dia que quiserem complementar o relato, anexar documentos e links e fazer comentários podem realizar as inclusões por esse link: https://docs.google.com/document/d/1aUNA6ijEvTluSbSySeFzltCoJGUsfQw0hZlh3sSL_Zw/edit?usp=sharing