Por: Alana Moraes
Foto: Divulgação
Um menino foi preso em Salvador – e os meninos presos são quase todos pretos, como diz a canção. Do outro lado, um programa de televisão “cobre” a ação policial. Mais do que transmitir a cena, o que esses programas fazem diariamente é produzir doses diárias de fé na punição, de medo do outro, de racismo e cumplicidade com o genocídio da população negra e com a explosão do encarceramento. Ódio, medo, punição e violência compõem o roteiro da oração diária dessas encenações midiáticas feitas para os homens de bem e para que a máquina de pacificação dos pobres não pare nunca de girar.
Desse enquadramento anestesiado de todos os dias, emerge a hipótese improvável. Um verdadeiro acontecimento. O menino escapa da cena esperada, rasga o roteiro, improvisa e começa a cantar uma música. É a sua música. O menino agora tem um nome. Ele se chama Ítalo. Seu canto é um ato de descumprimento. Ele canta apesar do massacre em Roraima. Ele canta apesar do Massacre em Manaus. Ele canta também apesar da morte brutal de Luiz Carlos Ruas, assassinado pelos cumpridores dessa mesma ordem. Ele canta evocando os tambores do Pelô e sua canção de liberdade escapa para todos os lados.
O repórter não entende a dignidade do ato. É mais que dignidade: é a ruptura com esse lugar da humilhação. É também a potência do Brasil em sua insurreição perpétua e subterrânea: a casa grande nunca foi capaz de ouvir o barulho das insubmissões cotidianas, do que nunca foi possível de governar.
A revolução será feita também dos ritmos imponderados, dos corpos em festa e desses momentos improváveis capazes de paralisar a miséria fascista que só deseja prender e exterminar. Desviar dos enquadramentos e multiplicar nossa possibilidade de fuga: o sistema não apenas encarcera, mas também age para tornar dóceis nossos corpos. Me liberar, nos liberar.
Assim é o hit do verão em Salvador.
MC Beijinho agora está ecoando em todos os lugares – até no violão de Caetano. Porque tudo o que temos são canções de redenção.