De verdade qual é discurso que temos para contrapor? Estamos trabalhando nisso por dentro dos nossos partidos, nos nossos movimentos? Temos propostas concretas, exequíveis, consensuais entre nós (ao menos) para reformas as polícias, combater a violência de Estado, combater o racismo institucional, reorientar as políticas de segurança para a defesa da vida e da integridade física? Nós sabemos como fazer isso? De verdade?
por Jacqueline sinhoretto
A participação de Bolsonaro no debate eleitoral está produzindo efeitos concretos, como este da intervenção federal na segurança pública do Rio. Ele está arrebanhando um eleitorado que tradicionalmente votou nos partidos de direita. Estes estão tentando reagir a isto, no desespero. O PMDB que governa o Rio (ou ao menos ocupa o governo), deu uma cartada pesada. O problema é que existe este eleitorado conservador, muito raso na discussão política, que há décadas vem repetindo chavões totalmente vazios como “a solução é jogar uma bomba”, “a solução é chamar o exército”, “direitos humanos são direitos de bandidos”.
A democracia de baixo impacto produz esse sujeito político e ele está especialmente alojado nas camadas sociais que têm acessos precários a seus próprios direitos. É difícil explicar o que significa a liberdade individual a quem está preso em coerções sociais que negam o tempo todo sua liberdade: mulheres presas na maternidade compulsória e no fardo da dupla jornada; homens presos nos conceitos tradicionais de família e masculinidade, mulheres presas nos cuidados com crianças e pessoas idosas ou doentes sem nenhuma ajuda do poder público. Daquela sua tia que vomita repressão sobre a sexualidade dos outros, o que você sabe sobre o que ela abriu mão em sua própria vida para ser uma “cidadã de bem”? É difícil explicar para a pessoa que não frequentou a universidade pública que é preciso garantir isso aos outros. É muito difícil reconhecer ao outro o que não se tem para si. Questão difícil que uma democracia de massas que convive com alto nível de hierarquização e de repressão moral, alto nível de desigualdade de renda e desigualdade de direitos não foi até agora capaz de responder. A direita tradicional está com dificuldades de responder aos anseios desse público. A esquerda então…
De verdade qual é discurso que temos para contrapor? Estamos trabalhando nisso por dentro dos nossos partidos, nos nossos movimentos? Temos propostas concretas, exequíveis, consensuais entre nós (ao menos) para reformas as polícias, combater a violência de Estado, combater o racismo institucional, reorientar as políticas de segurança para a defesa da vida e da integridade física? Nós sabemos como fazer isso? De verdade? Eu tenho umas quantas ideias, temos algumas políticas nas quais nos inspirar. Mas acredito que quem não tem um plano não vai conseguir conquistar votos. Se os candidatos mais à esquerda vão chamar a PM para fazer a repressão e policiamento ostensivo, pode ser que o eleitor pense que é melhor chamar o exército, que tem mais poder de fogo. Se as candidatas feministas vão pedir cadeia e nada mais, talvez a eleitora pense que é melhor votar em quem acredita na cadeia e a tem defendido ao longo dos anos. Bolsonaro é a ponta visível de uma conservadorismo social muito mais espraiado. Muitos dos eleitores dele não são monstros sociopatas, talvez sejam pessoas com quem você irá almoçar amanhã. Se a gente apenas discursar sobre complexidades e conceitos sofisticados, sem concluir com propostas, alguém na mesa dirá: “pois é, só jogando uma bomba”.